Existe treino regenerativo?
- Luca Baêta
- Nov 15, 2022
- 5 min read

A primeira coisa que tem que ficar clara desde o início aqui é que a adaptação muscular acontece quando você está descansando. Ponto. Aquela velha historinha de que você tem que ficar metendo o esporro nos músculos até que ele se adapte, foi erroneamente interpretada por muita gente, a ponto de acharem que tem que treinar muito intenso e muito frequente pra ter ganhos.
O imaginário da galera quando pensa em treino, para muita gente, ainda é a cena clássica da pessoa entrando numa academia e puxando ferro aqui e ali até murchar a alma, associando todo o processo a sofrimento.
Só que o mundo deu voltas e hoje sabemos que nem todo mundo PRECISA treinar muito intenso. Até porque, para vários objetivos que as pessoas têm, não é necessário.
Nem todo mundo CONSEGUE treinar muito intenso, isso é outro ponto. E também maioria das pessoas ACHA que treina intenso, mas na verdade está fazendo treinos que são até certo grau fortes, mas não chegam a ser de intensidade alta.
E ainda tem um último ponto: intensidade alta é relativa. Pra mim pode ser um treino de desgraçar a alma, mas pra uma pessoa obesa por exemplo, levantar da cadeira e fazer uma caminhada num ritmo um pouco mais rapidinho dentro de casa já é intenso. Para a vovó, uma trotadinha de boas na beira do lago já é uma intensidade bem alta.
Então temos que tomar muito cuidado com esses conceitos, quando a gente fala de estruturar um treino! Então uma coisa da qual a gente tem que fugir como se tivesse um funcionário da C&A querendo oferecer um cartão pra gente, é aquele costume de querer treinar igual um fulano que viu na internet, ou igual aquele atleta olímpico. O seu treino tem que ser seu! Ajustado pras suas capacidades, objetivos e realidade.
Mas voltando à ideia de que a adaptação vem durante o descanso. O treino é um estímulo estressor, que promove dano tecidual, fadiga, depleção de reserva energética, alterações no mecanismo contrátil. Enquanto não temos superpoderes alienígenas de regeneração acelerada, durante o treino nossos músculos estão basicamente só tomando porrada.
Só depois do treino que o seu corpo se reorganiza para se recuperar dessas porradas. E acaba criando uma preparação para que quando ele seja exposto ao stress novamente ele não sofra tanto.

E pra ilustrar isso, basta lembrarmos daquela figura clássica da supercompensação. Você treina, tem fadiga, depleção etc.. Ao final do treino seu organismo tá num estágio inferior ao que estava no início. O que acontece é que nas horas e dias seguintes acontece a recuperação, onde seu organismo vai recuperar os tecidos danificados, as reservas energéticas, mecanismos contráteis.. até ele se nivelar novamente com os valores pré-treino. Nesse ponto é que seu organismo pensa “cara se eu for encarar esse treino de novo eu tenho que me preparar” É ai que começa a supercompensação.
Então de cara a gente já pode destacar que o segredo de você treinar bem está em acumular supercompensação. Se treinar cedo demais, corre o risco de pegar o seu corpo num estado inferior ou igual ao que tinha antes de treinar. Aí ou tem overtraining ou estagnação. Mas se treinar no pico da supercompensação, seu corpo fica cada vez melhor.
Se descansar demais, bem depois do momento de supercompensação, o seu organismo retorna aos niveis iniciais e você não vai ter um ganho tão expressivo. Então daí a gente pode indicar outro ponto: A quantidade de treino influencia a quantidade de descanso. Porém esse papo de quantidade vai ficar para outro texto.
A primeira fase seguinte ao exercício não é anabólica. É catabólica. Pois o primeiro momento depois de um treino, pode ser um momento que está gerando mais destruição do que construção tecidual. É isso mesmo, um estudo de Tidball, de 2007, verificou isso.
Quando existe a microlesão, esse local da lesão precisa ser limpo, e essa limpeza é feita por macrófagos. Essa primeira onda que chega, faz fagocitose, digerindo os resíduos que estão ali. Para fazer essa digestão elas liberam enzimas que destroem proteínas. Acaba que elas corrompem um pouquinho de tecido saudável também.
Como curiosidade: adivinha quando é o pico de atividade dessas células? Dois dias depois da lesão. Quando é que seu musculo mais dói? Dois dias depois da lesão. É uma reação sistêmica avisando pra você “não mexa nessa região porque eu estou limpando”.
Ai você diz “Ah mas se eu fizer exercicio de novo a dor vai passar”. Vai passar, porque o exercício promove analgesia, mas não significa que vai acelerar a recuperação. Qualquer treino repitido nesse momento vai agravar mais ainda o catabolismo. O anabolismo só vai acontecer numa segunda migração de células que são mais regenerativas. A estimativa é de depois de 4 dias depois do treino (obviamente varia de acordo com o estímulo que foi dado). Então isso já ajuda a responder aquela dúvida que muita gente tem:
Se eu tô com dor eu posso treinar? Não!
Ah mas e o treino regenerativo? Não existe treino regenerativo. Se você treinar você está usando músculo, vai continuar gerando desgastes, em menor ou maior grau. O fato de você não sentir isso durante o “treino regenerativo” não significa que não está acontecendo. E se fizer um treino desse achando que isso vai regenerar seus músculos, é a mesma coisa de você engatar a marcha ré do seu carro e sair andando por aí, todo crente que isso vai reabastecer o tanque de gasolina.
E isso é explicado pelo fato de que os receptores de dor não estão lá nas fibras no tecido contrátil. Eles estão mais presentes nas fáscias, no tecido conjuntivo. Se doeu é porque a fáscia foi rompida, e a probabilidade da fibra ter rompido é enorme. Se não doeu, pode ser porque a fáscia esteja mais resistente mas a fibra ainda pode estar danificada!
Tem um estudo de Lau, de 2015, que eles testaram isso, a sensibilidade nas fáscias e nas fibras. Eles botaram microestimuladores em cada uma delas e eles iam la e davam um choquinho. Quando era nas fáscias a pessoa morria de dor. Quando era nas fibras a pessoa não sentia nada!
Então daí a gente tira outro dado: não é porque parou de doer que já pode treinar novamente aquele grupamento muscular. Quando pára de doer, normalmente você ainda está saindo daquela recuperação para então começar a supercompensação. Se você treinar logo nesse momento, você vai deixar de aproveitar todo esse potencial.
Isso mostra que a dor não segue o mesmo lapso temporal da capacidade contrátil.
Com todas essas informações, espero ter agregado e feito vocês entenderem que não existe treino regenerativo. Existem treinos de baixa intensidade sendo propagados como se fossem regenerativos, mas não são.





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